Saudações a todos! Que grande coisa é que tantos de nós nos reunimos hoje de tantas partes diferentes do mundo para participar nesta Sétima Convenção Anual da Associação Internacional da Luz de Buda. Que sorte que temos em poder realizar a nossa convenção no Canadá, que tem sido um líder mundial na protecção ambiental. Embora o Canadá seja uma das nações mais ricas do mundo em recursos naturais, as pessoas do Canadá sabem muito bem que estes recursos nunca devem ser desperdiçados. Eles valorizam o que têm e tratam disso. Por esta razão, o Canadá é um dos países mais bonitos do mundo; tanto as suas cidades como as suas vilas são famosas pelo seu ar fresco e pelas suas belas paisagens naturais. Para além disso, o governo do Canadá tem demonstrado consistentemente que a sabedoria e as preocupações de todos os seus cidadãos são os princípios básicos que os guiam em tudo o que fazem. Não admira então que pessoas de todo o mundo olhem para o Canadá como um exemplo de uma sociedade equilibrada que cuida com sucesso das necessidades dos seus cidadãos sem pilhar a riqueza dos seus recursos naturais. Uma vez que o Canadá tem dado um exemplo tão bom para o mundo nestas áreas, decidi fazer da “Natureza e Vida” o tema desta convenção. Ao contemplarmos este tema em relação ao belo exemplo que o Canadá nos deu, vamos também considerar as formas como este importante tema pode ser compreendido do ponto de vista Budista.
Quando falamos da natureza, referimo-nos à expressão, neste mundo, de certas verdades fundamentais. A natureza é um nível de verdade que se manifesta no mundo que nos rodeia. À nossa volta podemos ver os ciclos da natureza: as quatro estações, as fases da vida desde o nascimento até à morte, a ascensão e queda dos fenómenos, o movimento do pensamento de um instante para o outro. Tudo isto é natural. Tudo isto faz parte do processo da vida. A vida é uma condição da natureza, tal como a natureza é uma condição da vida. A vida é criada na natureza, desenvolve-se na natureza e afecta a natureza de formas que não podem ser facilmente descritas. Quando Buda se iluminou debaixo da árvore Bodhi, ele viu que a verdade mais profunda do universo é o vazio fundamental de todos os fenómenos condicionados. No seu momento de despertar, ele viu que todos os fenómenos surgem dependentes uns dos outros e que todos eles estão intrinsecamente interligados. O discernimento de Buda tinha muito em comum com o que queremos dizer hoje quando falamos de “natureza” ou “fenómenos naturais”. No seu despertar, o Buda viu até ao âmago daquilo a que chamamos “lei natural”. Escusado será dizer que o discernimento de Buda Shakyamuni foi ainda mais profundo do que o que hoje queremos dizer com “lei natural”, uma vez que as mentes e corações dos seres sencientes também foram fundamentais para o seu despertar. Podemos apreciar um pouco da profundidade do insight de Buda lançando os nossos olhos através das páginas da história humana. Haverá um rei, ou um imperador ou um regime em qualquer parte do mundo que não esteja de acordo com o padrão básico da lei natural? Será que nações e eras nas suas histórias não sobem e descem com a mesma regularidade de todas as coisas na natureza? E não é o mesmo verdade para a vida de todos e de cada um de nós? Quando nos conformamos de bom grado com os imperativos da natureza, experimentamos alegria.
Quando nos revoltamos contra eles, experimentamos a tristeza. É bom perguntarmo-nos de vez em quando: “Estarei eu em conformidade com as leis da natureza no meu uso do dinheiro? Nos meus usos da linguagem? Nas minhas atitudes e emoções?”. Se estamos a gastar mais do que ganhamos, então estamos a violar as leis da natureza. Se usamos a linguagem de formas que magoam outras pessoas, então não estamos a falar de uma integridade completa e natural. Se as nossas atitudes em relação às nossas vidas e ao nosso trabalho estão a produzir dor e ansiedade à nossa volta, então podemos estar certos de que estamos a virar voluntariamente as costas ao curso natural das coisas neste mundo.
A tendência para as coisas encontrarem os seus lugares naturais não pode e não deve ser resistida. Podemos ver isto nas nossas próprias vidas, assim como na história do mundo. Por exemplo, durante séculos as mulheres na China foram obrigadas a atar os seus pés. Com o alvorecer da era moderna, esta prática foi interrompida e agora ninguém pensaria em retomá-la. Era uma coisa antinatural a fazer. Durante o século XX, muitas colónias inglesas recuperaram a sua independência, enquanto que no século passado os escravos americanos foram postos em liberdade. As condições que produziram esses estados de servidão e dependência já não existem, e ninguém na posse da sua razão reclamaria novamente a sua ressurreição. A consciência de todo o mundo mudou desde então. Esta mudança de atitude é a evolução natural da apreciação das leis da natureza por parte da raça humana.
Há um velho ditado chinês que revela uma profunda apreciação pela interconectividade da mente humana e do mundo natural. O ditado é: “Os sábios amam as montanhas, enquanto os misericordiosos amam a água”. O mundo à nossa volta é a nossa origem e a nossa casa. Todos nós somos produtos da natureza, e tal como os nossos corpos provêm dos elementos deste mundo, também as nossas consciências provêm dos alicerces profundos que subjazem a todas as coisas. Temos de aprender a apreciar esta profunda interligação à medida que traçamos um caminho em direcção ao seu centro, seguindo o nosso sentido tanto do que é belo como do que é correcto.
O budismo reverencia a natureza ao enfatizar a natureza humana e a mente humana acima de tudo. As Terras Puras Orientais e Ocidentais descritas nos sutras budistas são caracterizadas pela beleza dos seus ambientes naturais. Neles, os riachos e rios são limpos, o ar é perfumado e as árvores e flores são magníficas enquanto os pássaros cantam por todo o lado. As pessoas que lá vivem só precisam de pensar na roupa que querem ou na comida que querem para que ela apareça perante eles. O objectivo destas descrições é mostrar que existem estados de consciência nos quais é possível o ser humano viver em perfeita harmonia com a natureza. Quando esses estados são alcançados, basta pensar no que se quer e ele irá aparecer. Não há diferença entre o pensamento e a “realidade”.
A Associação Internacional da Luz de Buda (BLIA) promove o budismo humanista com o objectivo de aproximar as pessoas das suas origens naturais e umas com as outras. À medida que progredimos na nossa prática do budismo humanista, não podemos deixar de começar a apreciar a importância de ter o mais profundo respeito pelo mundo natural. Nós somos esse mundo e partilhamos esse mundo com todos os outros seres sencientes. O respeito pela natureza é tão fundamental para o Budismo como é a compaixão. E tal como a libertação da ilusão depende de termos compaixão por todos os seres sensíveis do universo, também depende de termos respeito pelo mundo natural que governa e condiciona todas as nossas vidas.
Agora que discutimos brevemente a natureza e a sua relação com o budismo e com esta convenção, é tempo de falarmos sobre o que entendemos por “vida”. Para viver, os seres humanos devem usar as coisas da natureza. Da mesma forma, para viver como boas pessoas cada um de nós deve estar disposto a ser útil para o mundo e para a sociedade humana. Só vivemos realmente na medida em que estamos a contribuir para o mundo e para as pessoas com quem interagimos. Não precisamos de ser grandes, nem as nossas contribuições precisam de ser grandes para que possamos viver vidas dignas. Mesmo um pedaço de papel ou uma pedra podem contribuir para o mundo. Se alguém desenha um retrato de um santo num pedaço de papel ou esculpe um poema em pedra, por exemplo, esses objectos vão inspirar as pessoas durante anos. São simples, mas são capazes de dar grandes contribuições para o mundo. Em contraste, pessoas elevadas com poder e dinheiro muitas vezes não fazem nada pelos seus semelhantes. Em vez de trabalharem para ajudar os outros, preferem dissipar o seu bom carma em vaidade e auto-valorização. Outros perdem o seu tempo em busca de uma vida longa, quando o valor da vida nunca pode ser medido pela sua duração, mas apenas pelo grau em que beneficiou outros. De um ângulo mundano, pessoas egoístas que não perseguem mais do que os seus próprios objectivos podem parecer bem sucedidas e, no entanto, do ponto de vista da natureza e da verdade, são como “cadáveres em tropeço” cujos passos só escarnecem do seu orgulho.
À nossa volta podemos ver a vida e o incrível processo da vida. Os pássaros chamam, os insectos cantam, as águas rebentam enquanto o sol brilha sobre as cores resplandecentes da terra. Tudo está incluído, nada é ignorado. A vida está em todo o lado e em todo o lado que nos fala, se não quisermos ouvir. Existe um poema Ch’an que expressa bem a vibrante plenitude e beleza do mundo: “O riacho soa como o trinado de uma língua longa e grande. As montanhas encontram-se em formas como seres vivos”. Se prestarmos muita atenção, não podemos ver – não podemos ver todos nós – que não há nada em lado nenhum que não seja emitido pelo próprio coração do nosso próprio ser? Tudo é um, todos somos nós. Como é triste que tantas pessoas passem as suas vidas a encorajar a divisão, o egoísmo e a agitação. Em vez de desfrutarem da glória e unicidade deste mundo maravilhoso, preferem esculpir pedaços dele em grande detrimento de todos os muitos seres que têm de suportar a sua presença aqui. Este é exactamente o tipo de “vida” que o Buda nos ensinou a não viver!
O Buda ensinou que o reino do Dharma e a mente são um só, que o fundamento do universo fenomenal é a mente. O ser transcendente e ilimitável de Shakyamuni Buda é frequentemente elogiado desta forma: “O seu corpo é o verdadeiro Dharma, enquanto que a sabedoria pura é a sua vida“. O Buda Amitabha é conhecido como o Buda da “vida eterna” e da “luz eterna” porque a sua vida transcende completamente todas as limitações de tempo e espaço. Os fundamentos e as fontes de toda a vida são mais profundos do que as condições que produzem qualquer uma das suas manifestações particulares. Uma mosca só vive por um dia, mas após a sua morte renascerá de outra forma. Um ser humano vai e vem nesta terra, mas a mente e o carma a partir do qual o seu corpo se alimenta fará com que ele renasça novamente. Uma semente lançada ao chão pode ficar adormecida durante cem anos, mas assim que as condições estiverem certas, germinará e crescerá até se tornar uma planta. Nos últimos meses tem havido algum tumulto no mundo por causa da clonagem de seres humanos. Tudo parece tão novo que as pessoas ficam perturbadas por ele, mas na verdade não é novo. A vida é produzida pelas condições. Quando as condições estiverem certas, a vida surgirá. A clonagem não é mais do que um exemplo de novas condições que são capazes de produzir vida. Ninguém criou a vida através da clonagem; os cientistas apenas conseguiram encontrar novas condições dentro das quais a vida pode florescer.
O Sutra do Coração diz: “A forma é vazia, o vazio é a forma“. O movimento fluente das nossas vidas através do mundo material é um exemplo de “forma que é vazia”, enquanto a ligação das nossas vidas ao vasto mundo à nossa volta é um exemplo de “vazio que é forma”. É por isso que quando o Budismo fala de “este mundo” significa nada menos que o mundo sem limites e infinito de todos os fenómenos do universo. Quando fala de “seres sencientes”, não significa nada menos do que todos os seres sencientes do universo. E quando fala de “vida”, não significa nada menos que a vida infinita e sem limites que permeia todas as coisas em todo o lado.
Hoje em dia, os problemas do mundo são mais complexos e mais numerosos do que nunca. A guerra, o terrorismo, a intolerância religiosa, a poluição ambiental, e uma quebra geral da moral em todo o mundo tem produzido condições nas quais pode ser muito difícil para as pessoas viverem com uma sensação de paz e segurança. O tema desta conferência – Natureza e Vida – foi escolhido para abordar estes problemas. Se todos nós conseguirmos compreender completamente as leis naturais que foram ensinadas por Buda, e se todos nós conseguirmos trabalhar em conjunto para construir um mundo baseado nestas leis, então conseguiremos criar uma Terra Pura nesta Terra; uma terra em que todas as pessoas se possam sentir seguras dentro do seu direito natural a uma vida livre do medo e dos distúrbios perturbadores que surgem sempre que seres sencientes agem na ignorância das verdades maiores que governam as vidas de todos nós.
Nos próximos minutos, acrescentarei mais alguns breves comentários sobre o tema “Natureza e Vida”. Espero que as minhas palavras sejam de algum benefício para este público. Se não forem, por favor ignora-as.
Lei natural e respeito pela vida Quando Shakyamuni Buda se tornou iluminado há 2.600 anos atrás, ele viu que a origem dependente é a verdade central que governa o funcionamento de todo o universo fenomenal. Originação dependente significa que nenhuma coisa e nenhum fenómeno surge do nada e que nenhuma coisa e nenhum fenómeno pode existir sozinho e por si só. O Avatamsaka Sutra diz sobre a originação dependente: “Os fenómenos não surgem de forma independente; eles surgem dependentes uns dos outros“. A lei natural da originação dependente tem as quatro características básicas de uma verdade última: é universal, inevitável, verdadeira no passado, e verdadeira no futuro. Todos os eventos naturais estão em conformidade com a lei da origem dependente. Do pequeno ao grande, dos detalhes intrincados de um único floco de neve à fúria furiosa de uma grande tempestade, todas as coisas na natureza estão em conformidade com a lei da origem dependente. Os acontecimentos menores da vida de uma pessoa, bem como os acontecimentos maiores da história humana, também estão em conformidade com esta lei. O brilho do Buda pode ser apreciado ao contemplar a sua capacidade de compreender esta lei natural e aplicá-la às minúcias da vida humana de tal forma que cada um de nós possa beneficiar da sua visão. A origem dependente é uma lei natural que rege tudo no universo, mas é sentida mais profundamente por cada um de nós dentro dos detalhes íntimos da nossa vida diária. Quando compreendermos isto, estaremos em posição de apreciar que as nossas vidas não são o resultado de uma única causa, mas sim de uma confluência complexa de causas e condições. As nossas vidas surgem a partir das sementes cármicas que nós próprios plantamos no passado. Quando estas sementes crescem, elas encontram expressão nos Cinco Skandhas, nos Seis Sentidos, nos Dezoito Reinos e nos Doze Nidanas.
“Quando estamos preparados, não há desastres”. Este velho ditado vai directo ao assunto. Se compreendermos a lei natural da origem dependente, então estaremos preparados para tudo o que nos possa acontecer e não teremos medo. Além disso, também compreenderemos como fazer esta lei funcionar a nosso favor, pois compreenderemos que o nosso futuro é criado pelo que fazemos no presente. Se cultivamos a terra e plantamos boas sementes na Primavera, então no Outono colheremos uma grande colheita e quando o Inverno chegar, não teremos medo, pois saberemos que os nossos abastecimentos nos levarão até ao fim. Da mesma maneira, ninguém precisa de temer a velhice, pois se usarmos a nossa juventude e meia-idade para trabalhar arduamente, então estaremos satisfeitos com as nossas vidas quando envelhecermos. E a morte também não é algo a temer, pois se tivermos vivido bem e contribuído para a sociedade, as nossas próximas encarnações serão boas. A morte é assustadora acima de tudo para as pessoas que viveram vidas que não foram de nenhum benefício para os outros. Quando chegam ao fim, podem sentir como perderam profundamente o seu tempo na Terra ao enfrentarem o imenso vazio de um futuro incerto.
O General MacArthur disse uma vez: “Os velhos soldados nunca morrem”. O que ele quis dizer é que, devido às suas contribuições positivas para as suas nações, os seus espíritos estão eternamente ligados às histórias dos seus tempos. Wen T’ien-hsiang, um patriota que viveu durante a Dinastia Sung, disse: “Quem viveu e nunca morreu? É melhor fazer algum bem ao teu país”. Uma parte importante destas duas afirmações é a mensagem de que ninguém precisa de se tornar famoso ou de fazer imensas contribuições para viver uma vida que seja ao mesmo tempo valiosa e em total conformidade com as leis da natureza. Riqueza e longevidade pálidas ao lado de uma vida que é vivida com honra e respeito, há poucas virtudes que sejam maiores do que estas. Parece que as pessoas no passado estavam mais conscientes desta verdade profunda do que as pessoas hoje em dia. No passado, muitas pessoas sacrificavam voluntariamente as suas vidas pelo bem dos outros e todos pensavam que essa era a coisa certa a fazer. Hoje em dia parece que a maioria das pessoas está mais preocupada em viver para ser muito velha e morrer pacificamente do que com qualquer outra coisa. Este tipo de pensamento é mal orientado, pois só vivendo com total consciência da interconectividade natural de todos os seres sencientes é que podemos realmente cumprir o potencial mais profundo das nossas vidas. Os budistas têm muitas formas de descrever esta interligação: eles dizem, “a vida e a morte são uma só,” ou “todos os seres sencientes são um só,” ou “o grande corpo é um corpo de compaixão”. A morte não é algo que se deva temer, mas a vida é algo que deve ser vivido ao máximo.
Todos nós devemos enfrentar as dificuldades com coragem e assim, pela nossa determinação, plantar as sementes da força para uma colheita futura. Todos nós devemos examinar as nossas mentes e remover delas as sementes da raiva e do pensamento contaminado, para que possamos começar o verdadeiro trabalho de plantar sementes de alegria e compaixão. E todos nós devemos descartar aquelas partes de nós que nos impedem de cooperar com os outros, pois cada um de nós deve aprender a ajudar outros seres sencientes. Ninguém deve nunca esquecer que o bem-estar dos outros é tão importante para nós como o nosso próprio bem-estar. Quando aumentamos a sabedoria da sociedade pelo nosso bom comportamento, inspiramos os outros a viverem vidas de alegria e bondade. Quando tratamos as nossas famílias com a maior compaixão e respeito, ensinamo-las a tirar as lições de Budismo de casa e a entrar no mundo onde todos os seres em todo o lado podem começar a beneficiar delas. O respeito pela vida é tão fundamental para as leis da natureza como para as verdades ensinadas por Buda.
Uma vida natural na natureza viva
Toda a vida é uma só e toda a vida depende de todas as suas partes. A vasta variedade e complexidade da vida é algo que todos nós devemos apreciar com todo o nosso coração. Infelizmente, a humanidade durante demasiado tempo pensou em si mesma como a “alma da natureza” e nisto deixou de mostrar respeito e apreço pelas muitas outras espécies de animais e plantas que habitam este mundo connosco. Para satisfazer as necessidades de um simples momento, demasiados de nós estão dispostos a pilhar e destruir ecossistemas inteiros. O Dharmapada diz: “Todos os seres temem a morte e todos eles temem a dor de um clube. Pensa: como é que eles te fazem sentir? Então não matem e não façam clube; vivam em paz com todos os seres e não aumentem a violência deste mundo. Não faças mal a ninguém aqui e passarás a tua próxima vida em paz“. No Sutra Diamante o Buda diz: “Eu salvarei todos os seres sencientes levando-os a todos para o nirvana sem descanso“. Repara que o Buda não deixou ninguém de fora. Quando violamos outros seres ao tirar-lhes a vida, violamos as mais altas leis da natureza assim como os preceitos mais básicos do Budismo. Em vez de matarmos seres sencientes, devíamos estar a trabalhar para os ajudar. Quando, compassivamente, alcançamos todos os seres do universo, não só cumprimos os ensinamentos de Buda, como também cumprimos os mais altos imperativos das mais profundas leis da natureza.
Algumas pessoas que aprenderam a respeitar os outros ainda se agarram à crença errada de que pelo menos têm o poder de controlar as suas próprias mortes. Embora seja melhor estar enganado sobre si próprio do que sobre a severidade de violar os outros, não é correcto acreditar que tenhas o controlo final até sobre a tua própria vida. A vida é produzida a partir de uma mistura complexa de causas e condições e é mantida pelas condições complexas das sociedades em que vivemos. Se estas condições forem devidamente analisadas, ficará claro que não existe um “eu” real no seu âmago.
A própria noção de ter um “eu” é uma ilusão. E como poderia ser de outra forma, se tudo está interligado? De certa forma, não pertences a ti próprio e por isso não tens o direito de tirar sequer a tua própria vida. A vida é algo que tem sido produzido pelos processos da natureza e pelas leis fundamentais do universo, e assim qualquer acto que prejudique a vida é uma violação da natureza.
Num sentido muito real, tudo está vivo e tudo é importante. Uma folha de relva, uma pequena pedra – estes também foram produzidos pelos vastos e complexos interfuncionamentos de todos os fenómenos do Universo. Violar até a mais pequena parte desta complexa teia de causas e condições interligadas é violar o todo. Quanto pior é então quando destruímos florestas inteiras, represamos o rio Yangtze, ou arrancamos os corações das montanhas numa vã procura de ainda mais “riqueza”? Neste contexto, lembremo-nos do exemplo dado por Shyamaka Bodhisattva que tinha tanto medo de prejudicar a terra que andava sempre a passos largos e suaves. O Mestre Pien Tan San estava tão preocupado com o bem-estar das plantas à sua volta que comia apenas castanhas que tinham caído no chão. Os exemplos dados por estes dois sábios são magníficos! Só de pensar na sua compaixão pode ajudar-nos a renovar as nossas forças! A nossa interligação com um mundo natural vibrante e vivo é algo que nenhum de nós se deve permitir esquecer. O mundo está vivo.
Lembra-te que a Terra Pura de Amitabha é descrita como tendo “água e pássaros que pregam o Darma”. Quando Tao Sheng “falou o Darma, todas as pedras acenaram com a cabeça em aprovação”. Tudo isto reitera a verdade fundamental dita pelo Buda: “Tanto os seres sencientes como os não-sencientes estão repletos de sabedoria suprema.” Temos de aprender a reverenciar toda a vida porque toda a vida está interligada e toda ela depende de todas as suas partes. Toda a vida deve ser vista como tendo um valor imenso, uma vez que cada instância da vida é completamente única. Cada instância é formada a partir de uma miríade de causas e condições e nunca mais voltará a repetir-se dessa forma. Esta é a razão pela qual Buda nos ensinou a seguir de bom grado as condições que surgem à nossa volta enquanto sondamos o centro profundo que é a fonte do nosso ser. Se conseguirmos aprender a ser assim, então seremos capazes de enfrentar todas as situações pacificamente à medida que misturarmos com sucesso o nosso pequeno sentido de individualidade com a realidade maior da unicidade de toda a vida.
Fluindo com a Natureza, encontrar a Natureza eterna é baseado na harmonia e ela encontra o seu equilíbrio através do funcionamento harmonioso das suas muitas partes. Aquilo que obstrui a natureza traz problemas a si própria, pois obriga a harmonia básica da vida a declinar em discórdia. Os antigos costumavam dizer: “Opor-se ao fluxo da natureza é estar mentalmente doente“. Ganância, raiva, ignorância, orgulho, dúvida e ciúme são todas impurezas mentais que vão contra o fluxo da natureza; causam sempre mais problemas do que os que resolvem e normalmente só nos levam mais profundamente ao erro. As impurezas como estas são uma espécie de excesso ou uma correcção errada que se rebelam contra o fluxo natural da vida. Se acumularmos o nosso dinheiro, então nunca o utilizaremos bem. Se o esbanjarmos, então eventualmente ficaremos sem nada mais do que a memória obsoleta da nossa profligência. A maioria de nós consegue compreender estes usos tolos do dinheiro, mas a situação não é a mesma com a nossa força vital? Se temos uma posição social elevada, mas não fazemos nada para beneficiar a sociedade, não somos apenas como um avarento que se agarra à sua riqueza mesmo quando desperdiça as suas melhores oportunidades? Da mesma forma, se desperdiçarmos as nossas energias em actividades de dissipação e egocentrismo, não estaremos nós, insensatamente, a virar as nossas vidas contra o fluxo natural daquilo que só por si é profundamente verdadeiro?
Sempre que não conseguimos fluir com a corrente harmoniosa do mundo natural dentro de nós e à nossa volta, trazemos problemas para nós próprios. Por exemplo, se passarmos os nossos dias deitados na cama, esvaziaremos a nossa vitalidade. Se passarmos o dia todo de pé, magoaremos as nossas pernas. Se trabalharmos constantemente sem nunca descansarmos, faremos com que nos tornemos seriamente fatigados. O que quer que façamos em excesso, viola a harmonia básica da natureza. E se persistirmos, acabaremos por nos fazer adoecer gravemente. Da mesma forma, o nosso tratamento do mundo natural que nos rodeia causará sempre problemas quando somos excessivos nos nossos desejos ou laxistas na nossa vigilância. Nos últimos séculos, a humanidade aprendeu a fabricar uma enorme variedade de bens materiais, e mesmo assim ainda não aprendemos a equilibrar as nossas necessidades e desejos com os imperativos da natureza. Quanta da terra poluímos e quantos dos seus ecossistemas destruímos? O facto de nem sequer conseguirmos medir com precisão a totalidade da nossa destruição mostra bem o quanto violámos a harmonia e o equilíbrio da natureza. E essa violação voltará a assombrar-nos, pois o equilíbrio ainda mais profundo da lei do karma nunca mudará.
A natureza e o karma são semelhantes, se não o mesmo. Quando fazemos algo de bom para o mundo, uma boa recompensa vem até nós. Quando fazemos algo de mal ao mundo, resulta uma dolorosa retribuição. Causa e efeito formam os raios de uma roda que gira continuamente, sem princípio nem fim. As nossas próprias vidas são as manifestações temporárias de um processo de causa e efeito que se tem vindo a desenrolar há eons. Cada um de nós já viveu e morreu milhares de vezes. A morte é o começo de uma nova vida, enquanto cada vida é o começo de uma nova morte que ainda está para vir. Se este ponto for devidamente compreendido, devemos ser capazes de ver que a morte nunca é um fim absoluto para nada e que a vida nunca é uma condição absoluta que persista sem mudança. O aparecimento e desaparecimento temporário de um corpo neste mundo não é mais do que uma manifestação que nasce de causas muito mais profundas. A corrente mental de carma em que um corpo flutua como uma folha é infinitamente mais profunda do que a forma corporal que ele sustenta. A vida é como o fogo que consome um tronco atrás do outro. Quando morremos, é como mudar de roupa. Podemos parecer diferentes, mas lá no fundo somos iguais. Os grandes mestres budistas do passado compreenderam todos completamente que a vida e a morte são apenas aspectos diferentes de uma mesma coisa. Bodhidharma (?-535) enfrentou a morte com uma insouciência perfeita, tal como P’ang Yun (?-808) e o mestre Ch’an Fei Hsi. O Buda Vivo da Montanha Chin (1852-1935) faleceu calmamente sem protestos nem queixas enquanto tomava banho.
A vida é um produto de causas e condições, enquanto que a morte é um produto da sua dispersão. Se contemplarmos a vida e a morte do mais alto nível de verdade, veremos que elas são fundamentalmente inexistentes. Nada nasce e nada morre. A verdade é muito mais profunda do que isso! É por isso que os grandes mestres budistas trabalham não tanto para superar o ciclo do nascimento e da morte, mas sim para ver profundamente a sua própria natureza básica, pois esta natureza já está para além da vida e da morte. Sempre que um ser senciente pode até vislumbrar a sua natureza interior, ele liberta-se de imensos problemas, pois a sua natureza interior é nada menos do que a mente de Buda. Quando os sábios vislumbram a mente de Buda, eles mudam para sempre. Dão voluntariamente as suas vidas aos outros, pois compreendem completamente que todos os seres sencientes são um só. O mestre Ch’an Wei Shan (771-853) prometeu que renasceria como uma mula para poder ajudar os outros com os seus fardos. O mestre Ch’an Chao Chou (778-897), do mesmo modo, jurou renascer no inferno para que pudesse ajudar os seres sencientes presos lá. Quando a harmonia subjacente de toda a vida é verdadeiramente compreendida, já não se vive para si próprio, mas sim para o bem de todos os seres sencientes em todo o lado. Os grandes mestres já não se perdem nas preocupações das vidas individuais, pois vêem as vidas individuais como meras nuvens perdidas que pontilham a grande extensão do céu.
O I Ching diz: “Os céus movem-se com regularidade constante; o sábio melhora a si próprio sem parar“. Este antigo pedaço de sabedoria diz-nos que não só devemos conformar-nos com o mundo natural, como também devemos imitá-lo. Tal como o sol e a chuva nutrem e produzem vida neste mundo, também nós devemos voltar a nossa atenção para as necessidades dos outros. Quando agimos por compaixão e preocupação com o bem estar dos outros, entramos nos níveis mais profundos da natureza, pois ao fazê-lo misturamo-nos com as correntes dos recursos mais profundos do mundo natural.
Uma vida natural de acordo com os ensinamentos de Buda Se substituíssemos a palavra natureza por apenas uma palavra, essa palavra seria “Tao” ou “o caminho”. O grande mestre Hui Hai disse: “Quando tiveres fome, come. Quando estiveres cansado, dorme“. O Mestre Yao Shan Wei Yen (751-834) disse: “As nuvens estão no céu enquanto a água está na garrafa”.
O Tao de viver é simplesmente viver de acordo com os modos da natureza. O Buda disse que existiam cinco tipos de pessoas “não naturais”: aqueles que não sorriem quando deveriam sorrir, aqueles que não sentem alegria quando deveriam sentir alegria, aqueles que não sentem compaixão quando deveriam sentir compaixão, aqueles que não são repelidos por coisas que os deveriam repelir, e aqueles que ouvem falar de coisas boas mas não se sentem felizes. Pessoas assim vivem de uma forma que é contrária às verdades profundas das suas emoções naturais. O budismo ensina-nos que podemos evitar ser “não naturais” desta forma, se enfatizarmos os aspectos positivos da vida. Viver uma vida de acordo com o Tao significa encontrar e aceitar as correntes positivas que fluem através da natureza. Podemos descobrir estas correntes e mergulhar nelas através da nossa prática do Budismo. O Buda ensinou moralidade, meditação e sabedoria para nos ajudar a viver vidas que se conformam positivamente com as leis profundas que governam toda a vida. A sua explicação sobre a lei natural de origem dependente foi concebida para nos ajudar a compreender plenamente o mundo fenomenal em que vivemos. O Buda ensinou-nos compaixão e generosidade para que pudéssemos compreender como fazer contribuições positivas para o mundo. Pelo seu exemplo, ele mostrou-nos que uma vida que é vivida para os outros é a forma mais elevada de vida; tal vida está perfeitamente em conformidade com o Tao da natureza porque aumenta a consciência de todos os seres sencientes que entram em contacto com ela.
As regras básicas da vida não são diferentes hoje do que eram no passado. Se queremos viver bem e dar o nosso melhor enquanto estamos neste mundo, então temos de viver de acordo com o fluxo da natureza que encontra expressão tanto dentro de nós como fora de nós. Devemos honrar os direitos e sentimentos dos nossos cônjuges, filhos, vizinhos e colegas de trabalho. Se queremos começar um novo negócio, temos de respeitar o mercado e ter em consideração todos os muitos factores que irão fazer com que os nossos esforços compensem. Se queremos melhorar a governação das nossas sociedades, então temos de prestar muita atenção às necessidades das pessoas enquanto nos esforçamos por dar um exemplo que seja digno do seu natural e sincero respeito. O imperativo de vivermos de acordo com as leis naturais da natureza e do coração humano é ainda mais importante para aqueles de nós que se dizem budistas. Acima de todos os outros, devemos esforçar-nos por dar exemplos que inspirem e confortem os nossos semelhantes. As nossas palavras devem ser verdadeiras e os nossos motivos devem ser puros, pois esta é a única forma que alguma vez poderemos esperar ter para os outros um valor duradouro. Ao procurarmos esta forma de ser, vamos descobrir que também nos estamos a adaptar perfeitamente ao caminho da natureza, pois o Tao da natureza está tanto nos nossos corações como no mundo que nos rodeia.
Ninguém sabe quantos grandes mestres se tornaram iluminados ao longo dos anos, mas sabemos que todos eles compreenderam que a mente iluminada e a mente natural são praticamente a mesma coisa. O Mestre Liang Chieh (807-869) tornou-se iluminado enquanto contemplava a sua reflexão num rio. O Mestre Hsiang Yen (?-898) acordou para a sua natureza de Buda enquanto lavrava o solo. O Mestre Hsu Yun (1840-1959) tornou-se iluminado quando uma chávena de chá lhe escorregou da mão. Existe um poema Ch’an que descreve muito bem a relação entre a mente iluminada e a mente natural. E é assim: Antes do samadhi, as montanhas eram montanhas e os riachos eram riachos. Em samadhi, as montanhas já não eram montanhas e os riachos já não eram riachos. Depois do samadhi, as montanhas eram montanhas e os riachos eram novamente riachos. O mundo natural é o nosso grande corpo. Nós somos ele e ele somos nós. Há outro poema que expressa muito bem este ponto: As folhas verdes de jade de bambu expressam a sabedoria suprema, enquanto as várias flores à sua volta revelam verdades misteriosas. Viver com o Tao da natureza significa viver verdadeiramente dentro das circunstâncias em que nos encontramos e não desperdiçar as nossas energias perseguindo as falsas aparências dos nossos delírios. O universo que vemos à nossa volta não é mais do que uma projecção das nossas próprias mentes. O grande cosmos que nos envolve reside também no centro dos nossos próprios corações. Assim, a natureza é a verdade, a natureza é o Budadarma, a natureza é a bondade inerente que está dentro de todos nós, a natureza é a plenitude e a culminação do ser de todas as coisas.
A BLIA acaba de entrar no seu oitavo ano desde a sua fundação. Embora sejamos uma organização forte, devemos lembrar que somos como uma pequena árvore; há um longo caminho a percorrer antes de atingirmos os limites do nosso potencial. No passado, as nossas conferências anuais tiveram temas diferentes do que aquele em que nos reunimos hoje, e no entanto cada um desses temas do passado está em perfeita conformidade com tudo aquilo de que falei hoje. Temos tido sucesso como grupo até este momento, porque tudo o que temos feito tem estado de acordo com as profundas leis da natureza. Alguns dos nossos temas passados foram: “Alegria e Harmonia”, “Respeito e Tolerância”, “Igualdade e Paz”, e “Integridade e Liberdade”. A BLIA cresceu porque nos baseámos nas leis da natureza tal como foram explicadas pelo Buda Shakyamuni. No futuro, temos de continuar neste caminho, pois este é o caminho dos sábios. Se continuarmos a seguir o exemplo dado pelo Buda Shakyamuni e pelos grandes mestres do passado, teremos a certeza de enfrentar todas as dificuldades com a coragem, compaixão e determinação necessárias para as ultrapassarmos por completo. Quando levamos as nossas vidas, assim como a vida da BLIA, ao cumprimento total das leis da natureza, nada nos pode impedir de espalhar os ensinamentos de Buda por todos os cantos do mundo.
Para finalizar, gostaria de desejar a todos vós que estão presentes a alegria do Dharma e a sabedoria duradoura de uma vida vivida dentro dele.
10/1/1998
Fonte: Templo Hsi Lai
Em memória do Venerável Mestre Hsing Yun